quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Coração esmagado


"As ondas começaram a jogar a jangada pra fora do nosso rumo, a água molhava nosso corpo, depois percebemos o que era, estávamos perto de uma correnteza que nos puxava para o lado do Abraão, exatamente para onde não queríamos ir de maneira alguma, não seria uma correnteza que iria atrapalhar nossos planos (...). O perigo se apresentava, apareceram alguns cações para animar a festa e nos incentivar a remar mais rápido para sair do cerco dos carcereiros do mar, que têm chifre nas costas (...). Atravessamos uma enseada. Toda essa confusão aconteceu entre a Ponta dos Lobos e a dos Macacos. Atracamos numas pedras e dividimos o leite condensado e a água, cada um ficou com o seu facão (...). Remei para me afastar das pedras, senti a diferença de remar sozinho uma jangada de seis metros. Me afastei sem pensar no companheiro que deu com os burros n’água (...). A jangada ficou pesada, pensei em abandoná-la e prosseguir a nado apoiado em dois bambus. Explorei ao máximo a correnteza que puxava para o lado de Angra dos Reis. Lembro que atravessei várias correntezas. Bebi leite à vontade para me alimentar e manter a pressão alta. Depois pulei da jangada, me segurei e soltei dois bambus e tiras de corda fina (...). Subi na jangada e calculei minha posição, percebi que estava mais parto para o lado da terra firme do que do lado da Ilha Grande. Extraordinário! Esta seria uma encenação da minha tática de fuga, fazer os carcereiros crerem que eu tinha morrido afogado. Se encontrassem a jangada do outro lado, logo ficariam sabendo que atravessei. Por outro lado, encontrando a jangada no meio da baía, pensariam que eu havia morrido (...). Deixei a jangada à deriva e prossegui a nado empurrando o bambu. Eu empurrava o bambu e nadava até alcança-lo, e assim prossegui em direção à montanha negra que via em frente (...). Senti câimbra na perna esquerda, encolhi o corpo e permaneci imóvel apoiado no bambu até que a dor penetrante aliviou. Recomecei a nadar, mas sempre que forçava muito a perna esquerda, sentia novamente câimbra (...). Claro que a dor persistiu, mas com o mesmo método a dor diminuiu, e assim por diante...”
Êste é um trecho da narrativa de André Torres em seu livro Exílio na Ilha Grande.
Na foto, novo livro de André expondo as extensões das vísceras do sistema prisional no Estado do Rio de janeiro durante o tempo em que o vivenciou ...

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